Faz quase 3 anos que estou morando na Bélgica. Um pequeno país europeu, 3 vezes menor que Portugal, um pouco maior que o Estado de Alagoas. Vindo do Brasil, principalmente do Amazonas onde tudo é grande e longe, demora um pouco para entender as distâncias locais.

São pouco mais de 10 milhões da habitantes vivendo na Bélgica. Pra completar, fala-se 3 línguas: holandês, francês e alemão. Onde moro, fala-se francês. O conflito entre o norte (holandês) e o sul (francês) é crescente. A parte que fala alemão é muito pequena para criar problema, eles simplesmente estão lá.

Assisti um vídeo no The Progress Project, sobre o Nokia Data Gathering. O vídeo mostra uma iniciativa muito interessante de usar telefones celulares para coletar informações sobre dengue. Mas o que me chamou a atenção foi lembrar do estado de pobreza que a maioria dos brasiliiros vive. Como falei, moro agora em um pequeno país. O clima é ruim, recursos naturais quase não existem, hoje vive-se em paz, mas antes era cercado por inimigos por todos os lados. O que será que deu errado no nosso Rico País Pobre?

Eu lembro de viver muito bem em Manaus, mas em 2003, meu filho sofreu um “acidente” de carro. Foi levado para um hospital público (João Lúcio) e depois transferido para a Unimed. Uma das coisas que me chamaram atenção é que o hospital público era melhor equipado que a própria Unimed :-( Pior, parecia que o menino era culpado por ter se acidentado e o que a Unimed nos fazia o favor de aceitá-lo, mas isso é coisa passada… O importante é lembrar o estado de necessidades básicas no Brasil: educação, segurança e saúde.

Chegando na Bélgica, minha filha precisou ser hospitalizada. Hospitalizada aqui, porque acho que no Brasil teriam nos mandado para casa. O importante é que o médico decidiu sobre a hospitalização e assim ela foi hospitalizada. Dinheiro veio depois, primeiro a saúde. Considerando que isso aconteceu com um estrangeiro recém chegado e que não falava francês, nem tinha acabado de tirar todos os documentos, um milagre. Mas o caso mais sério estaria por vir, nossa filha Iris, nasceu com lábios leporinos.

Nessa época, já tínhamos todos os documentos, mas não estávamos esperando nada parecido. Ela fez todo os exames pré-natais (detectaram a má formação já no quinto mês de gestação), tivemos acompanhamento psicológico e até apresentaram fotos de bebês com o mesmo problema aos irmãos menores, já prevendo a rejeição que é comum nesses casos. No dia da cirurgia para corrigir os lábios (com 5 dias de vida!), me dirigi ao Hospital e perguntei quanto custaria, porque até então ninguém havia falado nada de dinheiro. A atendente me explicou calmamente: não tenho como dizer antes da cirurgia, o senhor receberá a conta depois de uns 3 meses em sua residência. Eu não sabia se ficava contente ou preocupado com isso. Conta enviada depois de 3 meses?!? Normal aqui, duro para brasileiro acreditar né? Perguntei a ela:

- Quanto custa em média? Eu tenho que me preparar para pagar isso.

Calmamente ela respondeu:

- Não tenho como informar, pois varia com a equipe e com o que acontecer durante a cirurgia. Por que isso é importante para o senhor? Se não puder pagar, o senhor vai deixar de fazer a cirurgia na menina? A questão financeira se discute depois, não se preocupe!

Calei. Já estava me preparando para vender o carro… meu cálculo foi o seguinte: se a visita do encanador custava 65€, imaginei a cirurgia plástica… voltei meu foco para Iris e para minha esposa. Pelo menos a primeira cirurgia estava garantida. Tudo foi realizado com ótimos resultados.

A segunda cirurgia foi realizada 4 meses depois. Essa foi maior e demorou muito mais tempo. Mas os resultados também foram ótimos. Hoje ela é um bebê de quase 2 anos, ainda em tratamento, mas feliz.

O objetivo de relatar esse tipo de experiência é tentar explicar ou entender as enormes diferenças entre nosso país e aqui. Jamais denegrir a imagem do Brasil ou dos médicos brasileiros, mas ressaltar aonde precisamos chegar.

Eu lembro de discussões sobre a riqueza de São Paulo ou de outros Estados brasileiros e me defronto com números de um país gigante, mas ao mesmo tempo pobre e anão. Mesmo São Paulo não é tão rica assim. Em termos de infra-estrutura, a começar pelo metrô, fica fácil de perceber as diferenças entre uma grande cidade rica (Paris) e uma grande cidade pobre (São Paulo). Com menos de 30 milhões de automóveis para quase 200 milhões de habitantes e um sistema de transporte precário, fica óbvio que a coisa não é tão rosa como alguns tentam se convencer. Claro, lendo isso na tela do computador já lhe separa da grande maioria dos brasileiros.

Mas como disse, já estou aqui há quase três anos e não é uma questão de competência pessoal ou resultado de um governo incorruptível (que nem aqui existe). O que será então a grande diferença entre estes dois países?

Minha opinião, humilde uma vez que não realizei um grande estudo, apenas observações do dia a dia; é que a grande diferença é no papel do estado em prover o básico para a formação de uma sociedade sadia. Já falei de saúde, o Brasil tem feito progressos, mas ainda está muito atrasado: os pobres sofrem nas mãos do atendimento público, sub-financiado e os ricos são reféns de planos de saúde, mas que resolvem os problemas mais básicos. Isso impede a melhoria de vida e do atendimento aos pobres, porque ninguém liga pros pobres, eles vivem em outro mundo, não é? Salvo em época de eleição.

Educação é outro ponto. Universidades públicas excelentes, mas escolas primárias e secundárias em tempo parcial. Não que não haja melhorias, mas na educação também temos dois sistemas paralelos: os ricos em escolas particulares e os pobres em escolas públicas. Quem estuda no grupo é o filho da empregada doméstica, então ninguém liga :-(

Segurança nem se fala. Olhando os índices de violência por bairro (fiz isso com os de Manaus em 2005) fica claro que os bairros mais violentos são os mais pobres. Isso fica pior em cidades onde os pobres são verdadeiramente excluídos, vivendo o mais longe melhor. Nos bairros ricos, os crimes também acontecem e são esses os combatidos e mostrados na TV!

Não é questão de ricos contra pobres, mas a existência de realidades paralelas no mesmo país. Se o sistema de saúde fosse realmente único, se todos tivessem que esperar o mesmo para ter uma consulta médica ou estudar nas mesmas escolas, a coisa seria diferente. Aí nos importaríamos realmente no que acontece no outro mundo. Pararíamos de enxergar os ricos como ladrões e os pobres como coitados… ou seria o inverso?

Isso tudo se resume em diminuir a desigualdade social. Na Europa, os ricos são muito ricos, mas também são muito poucos. Um engenheiro ganha de duas a três vezes mais que um operário e dependendo do país essa diferença é ainda menor! Nada como a diferença de 10 ou 20 vezes mais entre o salário de um engenheiro e o valor do salário mínimo. Depois não se entende o por quê da desigualdade !

Rico mora em condomínio fechado com segurança privada e faz compra em shopping centers… o problema de segurança é mais sério no trajeto entre estes pontos e o trabalho, mas é tolerado. Criamos dois mundos no mesmo país, uma fronteira imaginária entre ricos e pobres.

O que fazer? O que é pior, ser rico no país dos pobres ou pobre no país dos ricos? Temos que escolher e pensar no bem de todos. Violência se resolve com renda e emprego, mas as pessoas precisam de saúde, moradia e educação para chegar lá. Eu sempre achei programas como o bolsa família populistas e criado por políticos na época de eleição, mas hoje acredito ser o caminho para obtermos um equilíbrio social durante a formação da nossa sociedade. Hoje o valor do bolsa família ainda é muito baixo, sentiríamos mais resultados se o valor fosse próximo ao do salário mínimo. Não é tão utópico assim, é comum na Europa. Na Bélgica se chama alocação familiar e é pago por filho com idade entre 0 e 24 anos (se continuar estudando). Embora não tenha o nome de bolsa família é bem parecido. Na época de volta às aulas, depositam uns 50€ para ajudar nos gastos (aqui 150€ de material escolar é um escândalo e sai na TV… ai eu pagava muito mais que isso, uns R$1.000 a R$1.500!). Recebe-se 800€ de prêmio pelo nascimento (1200€ pro primeiro filho)… Até sair da faculdade, valores entre 95 e 200€ por mês/filho são depositados na conta da esposa (pro pai não comprar pinga!).

Temos um grande complexo de inferioridade como povo. Coisas como europeus são bons (fazendo referência aos brancos que nascem no Brasil) e todos os outros são vagabundos, corruptos ou simplesmente desajustados. Isso é um forma deslavada de racismo, mas que contamina nossa sociedade. É aceitar o estigma do jeitinho brasileiro como algo gravado em nosso DNA. Alias, aqui, Brasil é tudo igual. Europeu é quem tem passaporte europeu e não importa a cor da pele.

Sabendo que não são somos predestinados ao fracasso como povo e que nem negros, portugueses ou índios tem qualquer coisa a ver com isso… o que nos falta? Assumir a responsabilidade pelos nossos atos e omissões e continuar a vida como agentes de mudança e não como vítimas da história.

Eu realmente acredito que o Brasil será um grande país num futuro próximo, pensando em 2050. As taxas de crescimento e educação vem melhorando, lentamente, mas continuamente. É preciso acreditar e identificar o que está realmente errado. Iniciativas como a Associação Amada, responsável pela divulgação do implante coclear em Manaus, mostram como chegar lá e o que fazer no caminho. É quando nossa sociedade se organizar para fortalecer suas bases e não apenas fazer carnaval (nada contra a festa, mas imagine um grande mutirão da educação ou barracões de matemática e ciências!). Feliz 7 de Setembro, dia da independência do Brasil.